As atitudes positivas funcionam como vacina para aumentar a imunidade emocional
Despedir-se de um ente que nos é caro é dos episódios mais dolorosos e desorganizadores da nossa jornada, no mínimo por dois motivos: seguir saudosos da presença de alguém que amamos e estremecidos pelo impacto que a transitoriedade da vida nos causa. É preciso buscar ajuda para vivenciar o luto e não permitir que ele nos roube a nossa própria existência e, para isso, trabalhar a resiliência é um caminho muito seguro.
Para uma primeira geração de estudiosos, a resiliência foi identificada como uma habilidade apresentada por algumas crianças que não se deixavam contaminar pelas ameaças e insurgências do local onde viviam. As análises davam conta de uma capacidade inata àquelas crianças e observável em outras pessoas.
Em conclusões de uma segunda leva de estudos, pesquisadores concluíram que são resilientes aqueles que investem tudo o que podem, no que se refere às suas potências, e que demonstram um frutífero intercâmbio com o ambiente, extraindo forças de todos os elementos que possam colaborar para o seu desenvolvimento emocional.
Fato é que a resiliência é uma competência de autorrecuperação diante de eventos difíceis e emocionalmente agressivos, deletérios. É a habilidade de crescer com o sofrimento, buscando sair fortalecido dele, ressignificando-o como lição aprendida. Quanto mais resilientes, mais protegidos contra os sintomas da ansiedade e da depressão e mais capacitados para lidar com a vida tal qual ela é: permeada de alegrias e vitórias e de sofrimentos e despedidas.
Quando pensamos nas provas que enfrentaremos ao longo da nossa existência por aqui, precisamos compreender que tudo pode ser aproveitado para os nossos crescimentos. Portanto, na medida do seu possível, aumente a imunidade emocional para conseguir transpor as tempestades:
1) Praticando a sua espiritualidade
Tenha uma fé! A fé é a nossa capacidade de sermos fiéis a Deus, de aderirmos ao seu projeto de amor que nos auxilia a descobrir o nosso propósito de vida e a buscá-lo, sem descanso. A fé preenche os nossos vazios existenciais e nos torna mais esperançosos e em condições de crer na eternidade do espírito e na misericórdia que sempre nos alcança a todos. Estarmos em sintonia com a nossa espiritualidade nos conecta a Deus verticalmente, e também horizontalmente, quando somos capazes de ver a genialidade das Suas criações e o sagrado nas relações entre as Suas criaturas.
2) Praticando atividade física
Mexa-se! Arrume casa, faça caminhada, brinque com o seu filho, dance, mas mantenha o seu corpo vivo, com disposição e disponível para o serviço útil, no bem.
3) Praticando atos de gentileza
Se a compreensão do que pode fazer bem ao outro ainda não é fácil para você, faça exercícios de observação, imite pessoas educadas, generosas. De tanto se inspirar nas ações de amor e caridade que são feitas no seu entorno, agir assim será um traço natural do seu comportamento muito em breve. Você ficará encantado com as belas, inesquecíveis e consoladoras memórias que estará gerando com as pessoas que ama. Esteja pronto para ser mão estendida.
4) Praticando a apreciação do que é positivo
Não perca tempo com lamúrias, alimentando tristezas e amarguras. Veja o quanto é belo o nascer do sol; tenha em mente todas as batalhas que você já venceu; as pequenas e grandes metas que alcançou; as pessoas que conheceu; os lugares que visitou… Perdoe o quanto antes. Perdoe agora mesmo! E, por favor, jamais se desconecte da benção do recomeço.
5) Praticando a gratidão
Não permita que essa palavra tão preciosa seja apenas uma hashtag (#) nos seus posts nas redes sociais. Ser grato é, humildemente, reconhecer o que o outro (o que o Universo, Deus…) fez por você. É um estado de espírito de emoção por ter sido o destino de um esforço bem-intencionado de alguém.
A força da gratidão é tão transformadora que mereceu o cuidado de São Tomás de Aquino que lhe dedicou um Tratado, que desenha um processo evolutivo desse amor em movimento. O início se dá com o alcance de uma graça, de um favor; passa pela alegria de se ter recebido uma ajuda espontânea e chega, finalmente, ao nível de, não por obrigação, querer proporcionar a outras pessoas a oportunidade de também experimentarem esse sentimento tão nobre. A gratidão faz de nós pessoas mais ativas na construção de um mundo melhor, a partir da melhora do nosso mundo interno.
6) Praticando a convivência e estreitando os laços sociais
Valorize os seus! “Ah, mas a minha família é muito difícil”, “os meus amigos são complicadíssimos”, “Jesus disse ‘ame o seu próximo como a si mesmo’ porque ele não era filho do meu pai”… As frases de ingratidão no que se refere a quem está conosco por consanguinidade e/ou porque decidiu ficar são as mais diversas e impactantes.
Amar da forma Crística como Jesus nos ama, sem critérios e sem exigências não é nada fácil, mas podemos e devemos entregar todo amor que há no nosso coração para as relações nas quais estamos envolvidos. Dica de ouro para a vivência saudável do luto, que trataremos com mais atenção a seguir:
Despedir-se de alguém que foi alvo dos nossos melhores sentimentos e entregas verdadeiras é mais fácil do que se despedir daquele com quem estabelecemos relações de dor, brigas e mágoas.
Acredite, arrepender-se sem a condição imediata de reparação do dano causado é sentenciar-se à estagnação da culpa e a um sofrimento implacável.
7) Praticando a regulação emocional
Respeite as suas lágrimas, mas não desista de viver, quando a dor o visitar. Seja na terapia, na igreja, rezando em casa ou na meditação, tente manter os seus pensamentos em bons lugares, em faixas vibracionais que tragam paz e bem-estar. Se as memórias de situações traumáticas forem invasivas, ressignifique-as.
Substitua a tristeza da perda pela gratidão pelo tempo de convivência; por terem sido escolhidos por Deus para se ajudarem aqui na Terra. O nosso olhar sobre fatos dolorosos não será mudado de uma hora para outra, mas, aos poucos, a angustia arrefece e o coração vai cicatrizar.
Para os resilientes ou não, por que perder alguém dói tanto?
A saudade é resultado do amor e vínculo que ficam, apesar das despedidas físicas que a nossa passagem pela Terra tantas vezes nos impõe.
Para se livrar da dor da perda, você teria coragem de se desfazer de todas as vivências que experienciou ao lado de alguém tão significativo para a sua história? Teria coragem de apagar essa pessoa da sua memória como se ela nunca tivesse existido? Acredito que não. Então aceite a dor como uma forma de homenagem, de declaração do quanto é sofrida a ausência dessa pessoa, mas lembre-se de que a sua jornada por aqui não se encerrou. Guarde as melhores lembranças, os ensinamentos e trabalhe as suas emoções para seguir em frente, trazendo os que partiram no coração e agradecendo pela conexão que foram capazes de instituir juntos.
A resiliência é justamente isto: é dar-se uma oportunidade de recomeço, de rearranjo dos sentimentos e vibrações, a partir da atribuição de novos significados às dores, velhas conhecidas.
Em nenhum lugar estará escrito que o resiliente não sofre. Aliás, se encontrar um conteúdo desses, desconsidere. O sofrimento faz parte da nossa condição humana e vivenciá-lo, sem repressões, faz que consigamos nos curar, honrando a existência dos que se foram, comprometidos com a nossa vida e com a de quem ficou.
O luto é uma travessia individual e intransferível:
A morte é a contundente notícia da finitude humana. Todos já sabemos disso, mas quando somos visitados por esse anjo que não aceita negociações e que leva alguém que amamos, o susto e a tristeza são enormes. A sensação é sempre a de que a partida foi cedo demais e que não deu tempo suficiente para dizer o quanto o amor era grande. E não é que aí está um convite irrecusável que a morte nos faz? Por mais paradoxal que pareça, a morte pede que vivamos o máximo que pudermos, enquanto pudermos. Não é possível dizer ao outro o que deve ser prioridade para ele, qual é o sentido da vida dele, mas uma coisa podemos tratar como máxima: precisamos estar por inteiro nas nossas relações, enxergando agora o quanto e como cada uma delas faz de nós pessoas melhores.
Rubem Alves apresentou magistralmente a urgência e volatilidade da vida quando escreveu:
“A Morte não é algo que nos espera no fim. É companheira silenciosa que fala com voz branda, sem querer nos aterrorizar, dizendo sempre a verdade e nos convidando à sabedoria de viver. A branda fala da Morte não nos aterroriza por nos falar da Morte. Ela nos aterroriza por nos falar da Vida. Na verdade, a Morte nunca fala sobre si mesma. Ela sempre nos fala sobre aquilo que estamos fazendo com a própria Vida, as perdas, os sonhos que não sonhamos, os riscos que não tomamos (por medo), os suicídios lentos que perpetramos. Embora a gente não saiba, a Morte fala com a voz do poeta. Porque é nele que as duas, a Vida e a Morte, encontram-se reconciliadas, conversam uma com a outra, e desta conversa surge a Beleza… Ela nos convida a contemplar a nossa própria verdade. E o que ela nos diz é simplesmente isto: “Veja a vida. Não há tempo a perder. É preciso viver agora! Não se pode deixar o amor para depois…”
(Do universo à jabuticaba, disponível em: https://www.pensador.com/frase/MTkxMDg4OA/)
A qualidade do tempo que passamos uns com os outros e a profundidade que atingimos nos nossos relacionamentos fará consoladora diferença nas situações extremas. Não tenha medo da morte, concentre-se na vida que se tem permitido viver e, quando as despedidas forem inevitáveis, despeça-se com a certeza de sempre estar partilhando o melhor de você com aqueles que ama.
A travessia das fases do luto é um processo muito particular que requer coragem inclusive para entender que a vida tem pressa e que não podemos desperdiçar oportunidades de aumentarmos a nossa conexão com os nossos.
Resumidamente, os estágios do luto passarão por:
- Negação: alivia o impacto da notícia;
- Raiva: aconselha que busquemos acolhimento na revolta contra os fatos e na busca por culpados. Costumamos brigar com Deus nesta fase;
- Barganha: encoraja as negociações com Deus, os pedidos por milagres que tragam a pessoa de volta;
- Depressão: é a tristeza intensa causada pela impossibilidade de negar o que aconteceu;
- Aceitação: é o momento de promover as mudanças e adaptações necessárias para seguir em frente.
Em regra, é assim que uma pessoa saudável emocionalmente vai reagir diante das perdas muito bruscas, de imperativa aceitação. Mas, conforme já foi dito, essa caminhada depende de cada um, da forma como vai lidar com os sentimentos que estarão intensos, do significado pessoal e consequências da perda e da coragem de aceitar que somos mortais, abençoados com o finito dom da vida.
É mesmo possível seguir em frente? Sim, dedique-se ao seu reerguimento:
1) Viva o luto:
Atualmente, a sociedade cultua uma alegria plena como se fosse possível e sadio não sentir outras emoções. Mais que isso, como se a tristeza fosse um sentimento condenável, menos nobre, que nos envergonha por conotar fraqueza ou pouca fé. E quanto mais varremos as nossas dores para debaixo do tapete, mais dificuldade teremos para iluminá-las. Não há nada de errado em sentir-se triste, dilacerado após uma perda. Viva o luto e atravesse-o respeitando o tempo de que precisa para a cicatrização.
Lembremo-nos do menor versículo da Bíblia, que está no Evangelho de João, quando ele nos conta a história da morte de Lázaro: “E Jesus chorou”. Chorou por compaixão pela família, chorou pela perda, mas caminhou para agir e trazer o amigo de volta à vida”.
Não temos as mesmas faculdades de Jesus, mas podemos ressuscitar a nossa vontade de viver, seguindo em frente, confiantes em que nada escapa aos desígnios de Deus.
2) Aceite que a vida será diferente a partir da morte de um ente amado, mas não menos importante:
Quantas atividades eram desempenhadas na companhia de quem partiu… Como era natural ligar para dividir uma tristeza ou uma alegria. Não havia planos em que um não pensasse no outro. Mas aí veio a morte e mudou bruscamente uma história inteira que era escrita com a ajuda de mãos que não estarão mais por aqui. Uma despedida dessas pode ser fácil? Não há como, infelizmente. Mas pode ser colocada em uma região diferente da dor pura e simples.
A saudade pelo que não poderá mais ser compartilhado é inevitável, mas olhar com amor e gratidão por tudo o que foi vivido ajuda muito. É por isso que os resilientes lidam melhor com o luto. Eles buscam se adaptar à realidade. Criam novas rotinas, reorganizam a vida numa decisão positiva e esperançosa de não pararem a própria existência.
3) Lembre-se dos momentos com alegria:
Não renegue a sua história ao lado de alguém que partiu. Lembre-se com alegria dos momentos felizes, engraçados, das dificuldades superadas… Rejeitar as memórias não faz com que a dor desapareça, pelo contrário, cria novos e intermináveis lutos a cada tentativa de desparecer com quem existiu, na expectativa de autoproteção.
4) A dor é parte da jornada:
Sabedores que são que a dor se apresentará com ou sem a autorização, os resilientes a aceitam. Mas o sofrimento, ah, esse se estenderá na medida da nossa inabilidade de lidar com as limitações da vida. Caminhe gradualmente na direção da aceitação; mantenha o foco em fazer com que a sua estada por aqui valha a pena e inspire outras pessoas a fazerem o mesmo.
Invista nas suas relações, dedique-se às pessoas e, assim, estará plantando amor suficiente para se recuperar dos reveses e auxiliar a quem precisar do seu consolo.
5) Evite a revolta, mesmo em situações de morte não natural e/ou violenta:
As causas de uma morte podem ser muito variadas, e a sensação que temos é que a dor é aumentada quando a despedida nos soa ainda mais prematura, abrupta, ou fruto de uma truculência. Acreditar na justiça dos homens e na de Deus é um bálsamo que devemos utilizar para blindar o coração contra a revolta e contra os impulsos de vingança. Não cedamos aos aconselhamentos das nossas feridas abertas.
Busquemos força no Sermão da Montanha (Mt 5,4-6), quando Jesus nos orienta: “…Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados; Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra; Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos…”
6) Veja-se no pós-luto:
Isso mesmo, crie a imagem mental da vida seguindo o seu curso, das atividades sendo realizadas apesar da ausência daquele que partiu. Tenha a administração dos seus sentimentos como uma meta e vá elaborando a perda sem se cobrar uma linearidade, apenas buscando uma dinâmica progressiva. E mais: o luto não tem prazo de validade, cada indivíduo demanda um tempo próprio para aprender a lidar com a perda de alguém muito significativo.
7) Não sinta culpa por estar vivo:
É muito mais comum do que imaginamos pessoas sentirem culpa por estarem vivas e precisarem dar sequência às suas realizações depois da partida de um ente amado. Isso pode ser resultado de um luto complicado ou mal elaborado e nos remete, mais uma vez, à imprescindibilidade do acolhimento da dor e da sua ressignificação resiliente, paulatina e respeitosa.
8) Você não podia ter feito diferente:
Entenda, agimos de acordo com o que conseguimos, moral, intelectual e espiritualmente. São muitas as batalhas internas que enfrentamos e elas vão auxiliando nos nossos burilamentos e nos encontros que teremos com versões cada vez melhores de nós mesmos. Não permita que o fato de não ter tido tempo de se despedir de alguém, ou de perdoar ou ser perdoado, provoque transtornos na sua saúde emocional. Envie flores em forma de oração para o ente que partiu; tome essa dor como lição aprendida e aja diferente com os que estão ao seu lado, no dia a dia. Naquela oportunidade, você ainda não conseguia fazer diferente, mas você agora já é mais maduro, a partir das novas experiências que carrega. Jamais alimente a culpa, ela é uma companhia traiçoeira.
Das lições dos lutos saudáveis ficam as certezas de que quanto:
- mais estendermos o nosso conhecimento sobre a morte;
- melhores forem as nossas relações interpessoais;
- mais resilientes conseguirmos ser nas nossas respostas diante das dificuldades e,
- mais estivermos conectados com o sagrado, mais rapidamente nos reequilibraremos e nos colocaremos de pé, depois de eventos dolorosos.
O enlutado que elabora a perda se apresenta mais hábil para enfrentar problemas de naturezas diversas, com capacidade para crescer e reintegrar-se ao novo mundo, modificado desde a partida de alguém importante. Já o que não consegue tende a tornar persistente a tristeza, prolongando os desafios da despedida e proporcionando adoecimentos de natureza psicológica.
Nessa perspectiva, fica o enlutado resiliente em clara vantagem, uma vez que entende que não há como fugir ou se proteger das situações de pequenos e grandes lutos. E, flexível, se esforça para encontrar novos sentidos à vida, de forma gradual, respeitando as suas possibilidades de transformar as experiências sofridas em bagagem emocional saudável.
Precisamos entender e aceitar, de uma vez por todas, que o tempo de morrer é tão natural como o de nascer, mas que, entre um episódio e outro, é nosso o dever de deixar para o mundo, para os nossos entes queridos, a marca mais amorosa e verdadeira que pudermos, dentro dos limites impostos pela nossa imperfeição. Jesus não nos exige malabarismos para que possamos estar em sintonia com o seu exemplo de altíssima envergadura moral. Ele apenas nos convida a termos confiança na perfeição dos planos de Deus, comprometimento com o bem e honesto desejo de nos colocarmos a serviço da nossa iluminação e contribuição para a luz do mundo. Em Eclesiastes 3,1-8 vemos que Deus acolhe as nossas dores e nos pede esperança em dias melhores:
Para tudo há uma ocasião certa; há um tempo certo para cada propósito debaixo do céu: Tempo de nascer e tempo de morrer, tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou, tempo de matar e tempo de curar, tempo de derrubar e tempo de construir, tempo de chorar e tempo de rir, tempo de prantear e tempo de dançar, tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntá-las, tempo de abraçar e tempo de se conter, tempo de procurar e tempo de desistir, tempo de guardar e tempo de jogar fora, tempo de rasgar e tempo de costurar, tempo de calar e tempo de falar, tempo de amar e tempo de odiar, tempo de lutar e tempo de viver em paz.
Padre Chrystian Shankar
Padre Diocesano da Diocese de Divinópolis, Reitor do Santuário Diocesano São Frei Galvão, Master Coach pelo IBC, Treinador Comportamental pelo IFT, Especialista em Inteligência Emocional pela SBie e Practitioner Programação Neurolinguística (PNL) pelo Instituto VOCÊ