O SARS-cov-2 ou também chamado Covid-19 surgiu na China em 2019 e chegou ao Brasil no início de 2020. Com a chegada dele, a vida de todas as pessoas, no mundo todo, mudou. Foi instituído o distanciamento social, o uso obrigatório de máscaras de proteção e a desinfecção das mãos com álcool em gel, mudando os hábitos de vida da população mundial.
As pessoas tiveram que ficar em casa, o comércio fechou as portas, apenas alguns serviços essenciais mantiveram atendimento, como por exemplo, os supermercados, as farmácias e serviços de assistência à saúde da população.
No entanto, nos hospitais, os profissionais da saúde não puderam fazer o distanciamento social, pelo contrário, eles atuam na linha de frente, e muitos deles trabalham mesmo estando doentes.
Ao me referir aos profissionais em saúde é preciso esclarecer aqui que todos aqueles que atendem os pacientes no cuidado a sua saúde fazem parte deste grupo, por exemplo:
- equipes de enfermagem;
- médicos;
- fisioterapeutas;
- nutricionistas;
- maqueiros;
- motorista de ambulância;
- Equipe de higienização.
Neste cenário de “guerra”, como muitos deles se referem, o que já não era bom ficou ainda pior. Há falta de equipamentos de proteção individual para a segurança dos profissionais, das medicações e materiais para o cuidado dos pacientes, dos respiradores, dos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), enfim, uma situação caótica está sendo vivenciada em todo o país.
Neste difícil contexto, há profissionais que se sentem coagidos a falar abertamente por medo das demissões neste momento em que o mundo todo enfrenta uma crise econômica causada com o fechamento do comércio.
Entretanto, os profissionais da saúde precisam de assistência à sua saúde, para que possam dar uma assistência segura e digna aos pacientes, no entanto isso ainda é negligenciado pela maioria das instituições hospitalares e de saúde, que falham no “cuidado com quem cuida”.
Nesse artigo, você compreenderá sobre essa problemática que afeta a saúde mental dos profissionais da área da saúde. Tenha uma leitura iluminada!
O cenário caótico da saúde brasileira
Nossos profissionais da linha de frente são verdadeiros heróis, pois, mesmo sem as condições necessárias para o atendimento ao paciente, seja por falta de medicamentos, de respiradores, leitos e tantos outros materiais, eles continuam lá, muitas vezes adoecidos, mas na batalha.
Para que você compreenda o dia a dia destes profissionais vou relatar alguns exemplos de casos vivenciados por esses profissionais.
Exemplo 1: Profissionais que trabalham em UTI lotadas, precisavam escolher os pacientes que não são “investíveis” para liberar o respirador( que é o aparelho que transfere oxigênio para o paciente respirar), a pacientes mais jovens e “saudáveis”, ou seja, os investíveis.
Agora imagine o sentimento dos profissionais em ter que deixar de investir em determinados pacientes para ceder o respirador a outros. Qual é o sentimento que você acha que toma conta do profissional?
Exemplo 2: Os profissionais trabalham sem os equipamentos de proteção necessários como capote, luvas, máscaras, toucas; muitos precisam adquirir individualmente porque o sistema público é falho nesse cuidado para com eles.
Sem a proteção necessária e sem o distanciamento social, quem está na linha de frente não é valorizado e tão pouco cuidado. Para quem trabalha na linha de frente o sentimento de desvalorização e desespero aumentam a cada óbito vivenciado nesta guerra.
Exemplo 3: Medicações necessárias para manter o paciente vivo, estão constantemente em falta nas emergências e UTIs, por exemplo: noradrenalina, dopamina; bem como os sedativos e antibióticos.
As medicações são essenciais para o tratamento dos pacientes bem como para manter seus parâmetros vitais estáveis para salvar as vidas. Sem elas, é como se o profissional da saúde estivesse literalmente com as mãos “amarradas”, sem poder ajudar, apenas aguardando a morte do paciente.
Exemplo 4: Falta tubo oro-traqueal para a intubação do paciente que não consegue respirar e precisa de um respirador.
O tubo oro-traqueal é um dispositivo que vai da boca até a traquéia para levar o oxigênio que é transferido pelo respirador, e esse processo ventilatório mantém o paciente vivo enquanto faz o tratamento necessário à sua recuperação. Sem o tubo o paciente não consegue respirar e consequentemente sofrerá com uma parada respiratória e óbito.
Neste contexto, muitos pacientes tiveram seu quadro de saúde agravado e alguns infelizmente foram a óbito pela gravidade da doença. Uma luta árdua contra um inimigo invisível e novo, em que não existe protocolo de cuidados, ou seja, não se sabe ainda as medicações ideais e nem os cuidados específicos, o que existe é a troca de experiências entre profissionais no mundo todo.
Como fica a saúde mental dos profissionais da saúde?
Os profissionais mais vulneráveis neste cenário precisam trabalhar em contato direto com o paciente, sendo eles: enfermeiros e técnicos de enfermagem, fisioterapeutas e médicos.
O estresse, o medo de contrair o vírus e transmitir aos seus familiares, aos colegas e aos outros pacientes, gera uma pressão psicológica nestes profissionais, que passam a apresentar alguns sintomas decorrentes desse estresse crônico sofrido, por exemplo:
- Irritabilidade;
- Tristeza;
- Alteração do sono;
- Ganho ou perda de peso:
- Desmotivação;
- Perda de energia;
- Desesperança.
O profissional de saúde é um ser humano como todos os demais, por isso, também enfrenta as batalhas emocionais na sua vida familiar e conjugal, mesmo assim, precisam estar bem para cuidar dos pacientes e salvar vidas.
As situações da falta de “tudo” nos hospitais aumenta ainda mais o estresse e gera ansiedade nos profissionais. A falta de equipamento de proteção individual traz sentimentos como medo de contrair o vírus e adoecer ou quiçá transmitir ao filho, à esposa(o), à avó e demais familiares.
Há muitos relatos de profissionais da linha de frente sobre o desespero vivenciado no seu próprio adoecimento, entretanto, muitos infelizmente não resistiram e morreram. Aos que perderam familiares restou sentimentos como o de culpa, tristeza profunda e desespero, e consequentemente o número de casos de depressão aumentou e os afastamentos do trabalho também.
Quais são os principais transtornos mentais dos profissionais da saúde?
O estresse constante que os profissionais da saúde vivenciam tem gerado muitos problemas para a sua saúde, principalmente na área da saúde mental. São momentos de tensão e ansiedade diários, situações em que precisam de destreza, habilidade técnica e recursos imediatos, momentos em que o agir é vital e faz toda a diferença entre o viver e o morrer.
Profissionais da saúde têm uma enorme responsabilidade com as vidas, afinal, não cuidam de uma máquina, por exemplo, que se quebrar pode trocar uma peça ou comprar uma nova. São vidas, e qualquer ação poderá custar a vida de um paciente e/ou gerar um trauma imensurável neste profissional.
Muitos profissionais trabalham exaustos com a sobrecarga de trabalho, em jornadas duplas de trabalho, num cenário de desvalorização salarial, no entanto, são imprescindíveis no cuidado e na preservação da vida dos pacientes.
Essas jornadas árduas de trabalho, associadas a precariedade de equipamentos, medicamentos e materiais necessários a uma assistência digna ao paciente, aumentam o risco de erros no ambiente hospitalar. Estudos mostram que tem aumentando os casos de erros humanos na assistência ao paciente, entre eles:
- Erros com medicação: os erros de dose, de medicação, de paciente , de horário ou via de administração de medicamentos, são graves e muitas vezes podem levar o paciente à morte.
Dessa forma, os profissionais de saúde, cada vez mais tem apresentado sofrimento psíquico e consequentemente, transtornos mentais. Vejamos a seguir, os principais distúrbios mentais sofridos pelos profissionais:
Síndrome de Burnout
Esse agravo na saúde mental também é denominado Síndrome do esgotamento e a classe dos profissionais de saúde é mais acometida por ela, principalmente as equipes de enfermagem, por terem o maior número de profissionais na assistência hospitalar e estarem em contato integral com o paciente.
A síndrome de Burnout ocorre quando o profissional apresenta um desgaste emocional intenso e causa sintomas de grande sofrimento mental, como por exemplo:
- Irritabilidade;
- Agressividade;
- Intolerância;
- Perda de energia;
- Desmotivação.
As demandas do dia a dia para esse profissional acometido pela síndrome de Burnout tornam-se insuportáveis e intoleráveis, gerando conflitos de relacionamento interpessoal no ambiente profissional e erros no cuidado com o paciente.
Depressão
Conforme a Organização Mundial da Saúde, o Brasil é o país campeão da América Latina nos casos de depressão. O transtorno de depressão maior acomete inúmeros profissionais da área da saúde, bem como é um dos principais motivos no desfecho do suicídio entre eles.
O suicídio é o ápice da depressão, quando o profissional quer matar a sua dor e acaba tirando a própria vida. Alguns casos ocorrem dentro do ambiente hospitalar, através do uso de medicamentos que os profissionais conhecem e têm acesso.
Na depressão os sintomas característicos são:
- Tristeza profunda;
- Anedonia (falta de motivação);
- Perda de energia;
- Desesperança;
Muitas vezes o profissional precisa ficar afastado do trabalho por longos períodos de tempo, gerando prejuízo nas escalas de trabalho, de forma a sobrecarregar os colegas de profissão e colocando em risco a segurança do atendimento aos pacientes.
O tratamento da depressão é feito após o diagnóstico do médico e baseia-se frequentemente no uso de medicações antidepressivas e psicoterapia.
Síndrome do pânico
A síndrome do pânico ocorre quando o indivíduo apresenta episódios recorrentes de ataque de pânico e esta alteração mental pode estar presente nos transtornos de ansiedade e também na depressão.
Profissionais da saúde em sofrimento mental experimentam ataques de pânico, que representa um momento de extrema angústia e ansiedade vivenciado por cerca de 10 minutos, com a sensação de morte iminente, e outros sintomas, como por exemplo:
- Dor ou aperto no peito;
- Sensação de engasgo;
- Falta de ar;
- Taquicardia (aumento dos batimentos cardíacos);
- Medo da morte;
- Medo de enlouquecer;
- Sudorese;
- Tremores e espasmos musculares;
Durante a manifestação dos sintomas, muitas pessoas podem confundir o ataque de pânico com outros agravos à saúde, por exemplo, com o infarto, devido a dor no peito referida.
São minutos de terror, por isso, é fundamental esclarecer a pessoa que sofre com o ataque de pânico, que ela precisa desenvolver o autocontrole, assumir o rumo de seus pensamentos e sentimentos. A psicoterapia poderá auxiliar os profissionais acometidos com este transtorno, juntamente com o tratamento médico através de antidepressivos e ansiolíticos.
A terapia cognitivo-comportamental também pode ser instruída no acompanhamento psicológico. Ela baseia-se em alguns fatores, como por exemplo:
- Reconhecer que seus medos não tem justificativa;
- Não evitar os ataques de pânico;
- Ao reconhecer o ataque de pânico reagir com exercício de respiração.
- O entendimento que o medo de ter o ataque de pânico pode aflorar essa alteração, é fundamental. Trabalhar os pensamentos e ter hábitos saudáveis de vida irão corroborar no tratamento.
É importante ressaltar que os profissionais também sofrem com outros transtornos de ansiedade, como por exemplo:
– Transtorno Bipolar;
– Transtorno obsessivo-compulsivo;
– Esquizofrenia, entre outros.
Acerca dos transtornos de ansiedade, te convido a realizar a leitura de um artigo completo sobre transtorno de ansiedade.
Como cuidar da saúde mental dos profissionais da saúde?
Para entrar neste mérito, não podemos deixar de abordar sobre a necessidade de existirem programas de cuidado à saúde mental dos profissionais da saúde nas instituições hospitalares, fato que não é a realidade atual vivida, colaborando para o aumento de transtornos mentais destes profissionais.
Portanto, os gestores de instituições da saúde têm sua parcela de responsabilidade no planejamento e funcionamento de programas que visem dar qualidade a saúde dos profissionais que salvam vidas.
Além disso, os profissionais precisam tomar alguns cuidados com a sua saúde mental, então reflita sobre as dicas citadas abaixo:
- Reserve um tempo para você
A sua vida não pode se basear em trabalhar e pagar contas, ela é muito maior do que isso. Reserve diariamente um tempo para você e faça coisas simples que lhe proporcionem prazer e relaxem sua mente e seu corpo. É você quem decide o que lhe faz bem, por exemplo: ouvir música, fazer meditação, ir a uma cafeteria, assistir um filme, cozinhar.
- Mantenha hábitos saudáveis
Quando você mantém uma rotina com hábitos saudáveis a sua saúde física e mental está sendo cuidada. Tenha uma alimentação baseada em alimentos naturais, tenha atenção e procure evitar e diminuir o consumo dos seguintes alimentos:
– frituras;
– alimentos ultraprocessados (enlatados, embutidos);
– sal;
– açúcar.
- Movimente-se
Realize atividades físicas que lhe façam bem. O objetivo da realização de atividade física é liberar as substâncias que trazem bem estar à mente e ao corpo e manter o funcionamento cardiorrespiratório eficiente, para dar condicionamento às suas atividades sociais, familiares e profissionais.
- Reserve um tempo para lazer com a sua família
A sua vida não pode se resumir em assuntos profissionais e pandemia. Você precisa planejar e realizar atividades em família que sejam constantes. Aproveite seu filho(a), sua esposa(o), e demais familiares, para descontrair e fortalecer os vínculos afetivos.
- Externar seus sentimentos
Ao falar sobre o que você sente você consegue se entender melhor, aliviar a pressão psicológica que sente e refletir sobre o que precisa ser mudado na sua vida. Para isso, comunique-se com a equipe de trabalho, com seus familiares e busque momentos de reflexão sobre os acontecimentos que geram sofrimento mental, não deixe essas oportunidades passarem e tampouco guarde as dores contigo.
Conclusão
O sofrimento psíquico que os profissionais da saúde passam nesta difícil fase da pandemia é real e refletida na saúde mental através de transtornos de ansiedade, síndrome do pânico, depressão, síndrome de Burnout, dentre outros.
O profissional de saúde precisa olhar mais para a sua vida como um todo, não apenas para os problemas no ambiente hospitalar. Aprender a não levar os problemas consigo e estar por inteiro onde estiver, seja no lar, seja no programa de fim de semana com a família, no almoço com os filhos, enfim, nas situações do seu dia a dia, é uma atitude difícil, porém essencial para que o profissional possa ter uma vida saudável em todas as suas 7 SAÚDES.
E não esqueça: “ Você nasceu para iluminar !”
Oração à Nossa Senhora da Saúde
“Virgem puríssima, que sois a Saúde dos enfermos, o Refúgio dos pecadores, a Consoladora dos aflitos e a Despenseira de todas as graças, na minha fraqueza e no meu desânimo, apelo hoje para os tesouros da vossa misericórdia e bondade e atrevo-me a chamar-vos pelo doce nome de Mãe. Sim, ó Mãe, atendei-me em minha enfermidade, dai-me a saúde do corpo para que possa cumprir os meus deveres com ânimo e alegria, e com a mesma disposição sirva o vosso Filho Jesus e agradeça a vós, Saúde dos enfermos. Nossa Senhora da Saúde, rogai por nós. Amém!”
Andreia Nicoletti
Mãe, Casada, Enfermeira, Especialista em Cardiologia, Auditoria em Saúde, Nutrição e Estética Funcional, Mestre em Ciências da Saúde e professora Universitária.